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A pesar de que ha constituído su ?gura pública a través de la poesía y de la canción popular, Vinicius fue uno de los grandes escritores de prosa de su generación (una generación, sería oportuno recordarlo, cuya prosa estaba cristalizada en su gran parte por el carioquísima género de la crónica).

 

 

Con un amplio número de periódicos que circulaban por la ciudad, y un equipo de escritores que abarcaba desde Rubem Braga hasta Carlinhos de Oliveira, desde Carlos Drummond de Andrade hasta Clarice Lispector, y desde Fernando Sabino hasta Nelson Rodrigues, Vinicius se ubicaba entre ellos como un cronista que transmitía en su prosa los mismos motivos y la misma leveza de estilo que le presentaba al público en sus poemas.

 


Orfeu negro
Vinicius de Moraes
Poesia/crônica

ORFEU NEGRO


Graças à gentileza do convite de Maria Oliva Fraga, a bela guardiã do Château d’Eu, aqui estou eu no vasto castelo de tijolos e colunata de pedra — obra sem grande interesse arquitetônico iniciada por Henrique de Guise e restaurada pelo conde d’Eu três séculos e pouco mais tarde, depois do incêndio do começo deste século. O parque, desenhado por Le Nôtre, é realmente belo. Vim para terminar a primeira adaptação para o cinema de minha peça Orfeu da Conceição, de que o produtor Sacha Gordine quer extrair um filme. Depositamos ambos grandes esperanças no projeto.

Para ajudar-me no trabalho estão comigo minha amiga e secretária Josée Fauquier e seu marido, Daniel. E, naturalmente, minha filhinha Georgiana: a carinha mais marota que já se viu em qualquer latitude. O diabo é que ela, com tanta graça, me está perturbando consideravelmente na tarefa. Pois não me posso impedir de, a todo instante, perder o fio do ditado para vê-la atravessar o parque correndo, ou surgir pela mão de sua babá espanhola — pequeno bichinho inconfundível contra o gótico normando da igreja de Saint Laurent, em cuja cripta dormem sobre os próprios despojos, lado a lado, em seu misterioso sono de mármore, as estátuas funerárias dos príncipes e princesas da família d’Artois.

É coisa apaixonante criar um filme. Nesta adaptação construo o filme como eu o faria. Ao contrário de minha peça, em que a “descida aos infernos” de Orfeu situa-se numa gafieira, no segundo ato, estou transpondo o carnaval carioca para o final do filme, como o ambiente dentro do qual a Morte perseguirá Eurídice. Josée me ajuda com o maior entusiasmo, mas é necessário a todo instante interromper o trabalho, pois Georgiana não dá uma folga.

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Há homens que são da raça dos minotauros. Homens como Picasso, como Buñuel, como Hemingway. Sacha Alexandre Gordine é assim. Ao me pôr ao trabalho está, eu sei, numa das maiores bancarrotas da história do cinema. O grande e humaníssimo filme que deveria fazer, L’Affaire Seznec, teve a sua filmagem proibida quando todos os contratos já haviam sido firmados. Mas eu confio em Gordine. Há, para quem sabe ler no rosto humano, uma profunda bondade nesse homem. Bondade e uma força interior que se pode quase palpar.

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Hoje o guia turístico do castelo veio queixar-se de que, ao mostrar aos visitantes uma das belas carruagens em exibição no andar térreo, qual não é sua surpresa, e a dos turistas, quando a porta da caleça se abre e surge, de entre sedas e alfaias, a carinha matreira de Georgiana. Ele me contou o caso com a compunção de um guia de castelo que presenciou um sacrilégio, e eu o ouvi com o ar severo que deve ter no caso o pai da sacrílega. Mas ao voltar-lhe as costas desatei a rir; e vi que ele também sacudia os ombros de tanto riso, enquanto descia as escadas.

Estou em pleno carnaval no filme. Procuro dar o máximo de colorido ao roteiro para que, no caso de uma segunda adaptação, o novo roteirista sinta a animação popular em toda a sua vibração. Na rápida viagem que fizemos ontem a Rouen, surgiu-me a ideia de fazer as mulheres — as Fúrias do mito — matarem Orfeu num parque ou jardim noturno, onde o músico fosse ter levando nos braços sua amada morta. A estudar.

Acabei de ver uma coisa deliciosa. Enquanto vinha vindo pelo corredor, vi Georgiana que subira no espaldar de uma poltrona e mirava com a maior atenção, bem de perto, um retrato de dom Pedro II. Depois ela afastou um pouco a cabecinha e começou a alisar as venerandas barbas do imperador. Não contente, chegou a carinha ao retrato e deu-lhe um prolongado beijo.

Juro que vi sorrir o bom monarca.


Eu, agosto de 1955

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