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A pesar de que ha constituído su ?gura pública a través de la poesía y de la canción popular, Vinicius fue uno de los grandes escritores de prosa de su generación (una generación, sería oportuno recordarlo, cuya prosa estaba cristalizada en su gran parte por el carioquísima género de la crónica).

 

 

Con un amplio número de periódicos que circulaban por la ciudad, y un equipo de escritores que abarcaba desde Rubem Braga hasta Carlinhos de Oliveira, desde Carlos Drummond de Andrade hasta Clarice Lispector, y desde Fernando Sabino hasta Nelson Rodrigues, Vinicius se ubicaba entre ellos como un cronista que transmitía en su prosa los mismos motivos y la misma leveza de estilo que le presentaba al público en sus poemas.

 


Contemplações do poeta ao cair da noite
Vinicius de Moraes
Poesia/crônica

CONTEMPLAÇÕES DO POETA AO CAIR DA NOITE


Ainda há pouco, a reler a página admirável de frei Luís de Sousa, cujo título, possivelmente dado pelos antologistas Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Holanda, é (se em vez de poeta ler-se arcebispo) o mesmo desta crônica, tive a alegria de verificar quão parecidas eram as minhas noites de solidão em Montevidéu, com as de frei Bertolameu dos Mártires mais de três séculos antes. Como o santo arcebispo, também eu passava o dia todo dando expediente, quiçá de menos hierarquia, pois enquanto ele devia andar às voltas com despachos celestiais, tinha eu a meu cargo despachos marítimos e terrestres, além da firmação de passaportes e faturas e da contagem diária dos emolumentos consulares.

E como fazia ele, com relação às coisas divinas, eu, ao fechar-se a noite sobre o cerro que provocou no descobridor a exclamação nominativa da cidade, depois de um curto trajeto de automóvel até o bairro de Pocitos, onde tenho meu apartamento num sétimo andar, “pagava-me o peso do dia, e do trabalho com um passatempo malconhecido no mundo, e ao menos buscado de poucos (e ainda mal, que se muitos o buscaram fora melhor ao mundo)”. Entregava-me a uma profunda contemplação da bem-amada ausente. Esta era a maneira de vencer a distância irremediável que se estendia diante dos meus olhos voltados para o norte e que às vezes buscavam, na linha descendente de Alfa e Beta de Centauro, o ponto exato onde ela, de sua janela sobre o parque, devia também pensar em mim.

E não se maravilhe ninguém de que eu, tal o arcebispo, passasse com tanta facilidade dos negócios à contemplação. Não tinha, é claro, “dês da primeira idade feito hábito neste santo exercício”. Mas o que me faltava em penitências, sobrava-me em ternura e querer-bem. E se nele “este antigo costume lhe trazia a viola do espírito tão temperada sempre, que em qualquer conjunção que largava o negócio, logo a achava prestes para sem detença entoar as músicas da Celestial Jerusalém, e ficar absorto nos prazeres do divino ócio”, eu por mim tinha sempre bem-afinado o meu violão Del Vecchio, e me comprazia em machucar-me as saudades com os doridos acordes de tantas canções feitas para a bem-amada. E assim não me era por nada difícil passar de faturas a doçuras, e desligar-me da rotina do trabalho para a comunhão com a amiga distante, num lento evolar-se do meu ser empós sua adorável imagem, que às vezes parecia corporificar-se na lua que estava no céu. E não era incomum ficarmos, eu e a lua de Montevidéu, em doce conúbio, ela dilatando os espaços com os raios de seu amor, eu esvaindo-me de amor em seu luar. Pois era aquele o luar do meu bem no seu pungente exílio, a segredar-me que, mesmo ausente, ali estava para iluminar as minhas horas; e eu tivesse paciência e a esperasse dentro e fora de mim, que ela se vestira toda de luz para o nosso futuro encontro; e não me desesperasse, pois estava próximo o dia em que nunca mais nos haveríamos de separar.

De outros turnos — como no caso de frei Bertolameu, que dessem-lhe azo os negócios, “subia sobretarde a um eirado que mandou fazer em uma casa das mais altas do Paço; e como o passarinho, que depois de andar todo o dia ocupado na fábrica de seu ninho, quando vai caindo o sol, e as sombras crescendo, estende as asas pelo ar, dando umas voltas alegres e desenfadadas, que parece não bole pena, ou posto sobre um raminho canta descansadamente” —, também eu deixava-me estar no terraço de meu apartamento, um dos mais altos de Pocitos; e feito ele que, à imagem da avezinha, “depois de alargar os olhos pelas serras e outeiros, que do alto se descobriam, estendia os de sua alma às maiores alturas do Céu, voava com a consideração por aquelas eternas moradas, desabafava, e em voz baixa entoava de quando em quando alegres Hinos” — eu por minha vez, ante a ideia de compartilhar com a bem-amada a visão dos amplos espaços crepusculares do estuário do rio da Prata, e de rodeá-la com meus braços dentro das iluminações do poente oriental, punha-me, tal um menino que, ai de mim, já não sou mais, a tamborilar com os dedos e a cantar com ela alegres sambas do meu Rio, que não é da Prata nem do Ouro, mas que é cidade de muito instante, e onde hoje mora, em casa única, o meu antes triste e multifário coração.

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