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A pesar de que ha constituído su ?gura pública a través de la poesía y de la canción popular, Vinicius fue uno de los grandes escritores de prosa de su generación (una generación, sería oportuno recordarlo, cuya prosa estaba cristalizada en su gran parte por el carioquísima género de la crónica).

 

 

Con un amplio número de periódicos que circulaban por la ciudad, y un equipo de escritores que abarcaba desde Rubem Braga hasta Carlinhos de Oliveira, desde Carlos Drummond de Andrade hasta Clarice Lispector, y desde Fernando Sabino hasta Nelson Rodrigues, Vinicius se ubicaba entre ellos como un cronista que transmitía en su prosa los mismos motivos y la misma leveza de estilo que le presentaba al público en sus poemas.

 


Morte de um pássaro
Vinicius de Moraes
Poesia/crônica

MORTE DE UM PÁSSARO
(Réquiem para Federico García Lorca)


Ele estava pálido e suas mãos tremiam. Sim, ele estava com medo porque era tudo tão inesperado. Quis falar, e seus lábios frios mal puderam articular as palavras de pasmo que lhe causava a vista de todos aqueles homens preparados para matá-lo. Havia estrelas infantis a balbuciar preces matinais no céu deliquescente. Seu olhar elevou-se até elas, e ele, menos que nunca, compreendeu a razão de ser de tudo aquilo. Ele era um pássaro, nascera para cantar. Aquela madrugada que raiava para presenciar sua morte, não tinha sido ela sempre a sua grande amiga? Não ficara ela tantas vezes a escutar suas canções de silêncio? Por que o haviam arrancado a seu sono povoado de aves brancas e feito marchar em meio a outros homens de barba rude e olhar escuro?

Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater asas inexistentes até voar. Escaparia assim à fria sanha daqueles caçadores maus que o confundiam com o milhafre, ele cuja única missão era cantar a beleza das coisas naturais e o amor dos homens; ele, um pássaro inocente, em cuja voz havia ritmos de dança.

Mas permaneceu em sua atonia, sem acreditar bem que aquilo tudo estivesse acontecendo. Era, por certo, um mal-entendido. Dentro em pouco chegaria a ordem para soltá-lo, e aqueles mesmos homens que o miravam com ruim catadura chegariam até ele rindo risos francos e, de braços dados, iriam todos beber manzanilla numa tasca qualquer, e cantariam canções de cante hondo até que a noite viesse recolher seus corpos bêbados em sua negra, maternal mantilha.

As ordens, no entanto, foram rápidas. O grupo foi levado, a coronhadas e empurrões, até a vala comum aberta, e os nodosos pescoços penderam no desalento final. Lábios partiram-se em adeuses, murmurando marias e consuelos. Só sua cabeça movia-se para todos os lados, num movimento de busca e negação, como a do pássaro frágil na mão do armadilheiro impiedoso. O sangue cantava-lhe aos ouvidos, o sangue que fora a seiva mais viva de sua poesia, o sangue que tinha visto e que não quisera ver, o sangue de sua Espanha louca e lúcida, o sangue das paixões desencadeadas, o sangue de Ignacio Sánchez Mejías, o sangue das bodas de sangre, o sangue dos homens que morrem para que nasça um mundo sem violência. Por um segundo passou-lhe a visão de seus amigos distantes. Alberti, Neruda, Manolo Ortiz, Bergamín, Delia, María Rosa — e a minha própria visão, a do poeta brasileiro que teria sido como um irmão seu e que dele viria a receber o legado de todos esses amigos exemplares, e que com ele teria passado noites a tocar guitarra, a se trocarem canções pungentes.

Sim, teve medo. E quem, em seu lugar, não o teria? Ele não nascera para morrer assim, para morrer antes de sua própria morte. Nascera para a vida e suas dádivas mais ardentes, num mundo de poesia e música, configurado na face da mulher, na face do amigo e na face do povo. Se tivesse tido tempo de correr pela campina, seu corpo de poeta-pássaro ter-se-ia certamente libertado das contingências físicas e alçado voo para os espaços além; pois tal era sua ânsia de viver para poder cantar, cada vez mais longe e cada vez melhor, o amor, o grande amor que era nele sentimento de permanência e sensação de eternidade.

Mas foram apenas outros pássaros, seus irmãos, que voaram assustados dentro da luz da antemanhã, quando os tiros do pelotão de morte soaram no silêncio da madrugada.

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