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PRIMEIRA VIAGEM AO BRASIL: RIO, 1945
No Rio
Comíamos camarões
“— Todos a los camarones.” — tu dizias, e os amavas
Torrados no azeite e regados a vinho branco
De preferência chileno (“Mejor
Que los franceses!”) e bem gelado
De maneira a mesclar
O buquê de duas pátrias. Íamos aos restaurantes
Do velho Mercado com os amigos.
Íamos ao Rio-Minho, ao Antero, onde a garopa
Te contava: “—... vim do mar/ para o vosso paladar.”
Íamos à Furna da Onça tomar “coquinho”, calibrar-nos
Para as celebrações noturnas, para as musas
Para os poemas, para as discussões serenas
Para os ritos de amizade, apenas
Nascida, ancha, acontecida
Na revolta e na constatação dos graus
Da infâmia, na contestação de Deus e Midas
Tecendo caprichosas redes dialéticas
Onde pudessem dormir os simples
Os rotos, os clochardos.
E comíamos frutos do mar
Com batidas, com chope, com carinho
Fraterno, a suar ao Sol intenso
De Copacabana em meio a seios, olhos, nádegas
Criando templos pagãos para matar o tempo
Penetrando antes do ácido e do pico
As regiões roxazuis do amor imenso
O astral universal regido pelas leis de
Engels-Marx-Lenine, amávamos felizes
A vida natural sem os silêncios
Da mais-valia, nós éramos poesia
Poesia, poesia e só poesia
Em nossas mãos, em nossos olhos, em nossos corações
Em nossos fígados, em nosso sexo e até em nossa vã melancolia.
E comíamos camarões. “— Todos a los camarones!” — tu dizias.
E nós íamos.