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ITAPUÃ, BAHIA: OUTUBRO DE 1973
Senta-te ali, poeta primogênito
Naquela ampla cadeira em frente ao mundo
E deixa-me pintar o teu retrato
(Já que, por circunstâncias, não o fizeram
Teus amigos Picasso e Di Cavalcanti)
Com palavras cobertas de azinhavre
Do tempo, e pela luz verde da Lua
Funâmbula, a transar entre hemisférios
Desprendida da pele de Matilde
Para os céus jorjamados do Recôncavo.
É madrugada, irmão, e escuto o mar
Que geme versos teus sobre as areias
De Itapuã, chorando a tua morte
Tu que o amavas a imprecar bravio
Contra os negros penhascos de Isla Negra.
Assim Pablo: conserva no teu rosto
De volumoso peixe de águas fundas
Em teus pequenos olhos infantis
De irônica baleia sonolenta
Em teu repouso grave mas atento
De antiga e presciente salamandra
Esse quase sorriso de quem, mágico
Ato contínuo vai sacar do ouvido
Uma lenta cenoura, e indo roê-la
Vê-la voar-se transformada em pomba
Que pouco a pouco ganha altura, e súbito
No céu se acende, transcendida em estrela.
Relaxa bem teu corpo elefantino
(Que para o seres só te falta a tromba)
E pensa em teus cristais e teus crustáceos
Em teus belos besouros africanos
Em tuas pedras sutis e iridescentes
Tuas botinas de antigas senhorinhas
Tuas estrelas-do-mar e teus sextantes
Teus veleiros cativos em garrafas
Tuas garrafas de tanta procedência
Tuas carrancas marítimas, teus búzios
Teu cavalo (de Troia ou de Temuco?)
Nas coisas que te deram a terra e as águas
De brilhante, de opaco, de translúcido
E que terçavam acordes inaudíveis
Sempre que nelas teu olhar pousava
Nas frias madrugadas de Isla Negra
Antes de mergulhares, densa foca
No luminoso aquário de tua sala
E com dedos de cego a ler no Braile,
Desencantar do ar mais um poema.