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LOS ANGELES, 1948
Boa noite, Pablo Neruda. Neste instante
Ouvi cantar o primeiro pássaro da primavera
E pensei em ti. O primeiro pássaro da primavera
Cantou, parece incrível. Mas ainda existem pássaros
Que cantam em noites de primavera.
Estou sozinho e tudo é silêncio. Meus filhos
Foram dormir. Minha revolta, provisoriamente
Também foi dormir. A verdade, poeta
É que te tenho presente, a cerveja está bem gelada
E o pior ainda está por vir.
Hoje pensei em Lorca. Vi-o nitidamente
Caminhando entre soldados. Seus olhos
Me olhavam entre dois canos de fuzis, desfigurados.
Hoje soube que teve medo, teve medo de morrer
Teve medo, mas não dizia nada.
Eu também tenho medo, meu irmão. Quem, em verdade
Com tanto amor à vida não tem medo? Lorca
Amava a vida, era um pássaro. Lembro o dia
Em que atirei num passarinho, eu era menino. Vi-o
Por entre a mira da espingarda, depois tombou ensanguentado.
Debrucei-me sobre ele, agonizava, tinha medo
Mas também não se queixava.
É estranho, poeta, é tudo imensamente estranho
Esta noite, esta presença tua e esta certeza
De que a morte ronda. Gabriela, tua velha mestra
Partiu, foi para o México. Quando a deixei no avião
Olhou-me com ternura e muita paz
Depois beijou-me o rosto e disse:
— No sé si nos veremos más.*
Agora, no entanto, a noite, amigo
Se estende sobre nós, plantada de lírios
Faiscantes. Lorca morreu. Outros morrerão
Talvez tu, talvez eu. O inimigo
Possui fuzis, o que não impede a primavera
De ser saudada pelos pássaros.
A ti te atacaram pelas costas
Os vendilhões de tua pátria em forma de faca
Tua pátria em forma de faca, que um dia
Há de se erguer ensanguentada
Do sangue da covardia e da maldade.
Ah, que esta é a soma de muitas noites
Poeta amigo... É a noite
De 14 de abril de 1948: dois dias depois
De sufocada a revolução da Colômbia. Mais uma
Que foi sufocada. Quantas serão precisas, Pablo
Quantas retaliações, quantos cadáveres?
Serão precisos muitos cadáveres, poeta
Talvez o meu, talvez o teu e até o da mulher amada.
O fato de se acordar e se estar vivo
Já não quer dizer nada. Mas é importante resistir
Mesmo com a boca amordaçada.
Como Miguel Hernández. Como Fucjik. Como Hikmet. Como Eisler.
Como os humildes mortos ignorados, torturados
Desfibrados a pancada: a grande massa cujos ossos
Ilumina o caminho, o único possível
Dentro da ignomínia e da desgraça.
Hoje mais do que nunca o mundo avança
Para uma Aurora ainda aprisionada.
Tentemos resgatá-la com poesia
Cada poema valendo uma granada
Como disseste imortalmente um dia
No teu “Canto de amor a Stanlingrado”.
* De fato, eu não deveria mais rever essa grande amiga que foi Gabriela Mistral, antiga professora de Pablo Neruda.