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INVOCAÇÃO À MULHER ÚNICA
Tu, pássaro — mulher de leite! Tu que carregas as lívidas glândulas do amor acima do sexo infinito
Tu, que perpetuas o desespero humano — alma desolada da noite sobre o frio das águas — tu
Tédio escuro, mal da vida — fonte! jamais... jamais... (que o poema receba as minhas lágrimas!...)
Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral, uma prece são menos reais que três partes sangrentas do meu coração em martírio
E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e o mal está em mim e a minha carne é aguda
E eu trago crucificadas mil mulheres cuja santidade dependeria apenas de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.
Pobre eu! sinto-me tão tu mesma, meu belo cisne, minha bela, bela garça, fêmea
Feita de diamantes e cuja postura lembra um templo adormecido numa velha madrugada de lua...
A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões, estupradores, onanistas — negações do bem: o Antigo Testamento! — a minha descendência
De poetas: puros, selvagens, líricos, inocentes: o Novo Testamento — afirmações do bem: dúvida
(Dúvida mais fácil que a fé, mais transigente que a esperança, mais oportuna que a caridade
Dúvida, madrasta do gênio) — tudo, tudo se esboroa ante a visão do teu ventre púbere, alma do Pai, coração do Filho, carne do Santo Espírito, amém!
Tu, criança! cujo olhar faz crescer os brotos dos sulcos da terra — perpetuação do êxtase
Criatura, mais que nenhuma outra, porque nasceste fecundada pelos astros — mulher! tu que deitas o teu sangue
Quando os lobos uivam e as sereias desacordadas se amontoam pelas praias — mulher!
Mulher que eu amo, criança que amo, ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.
Não me deixes morrer!... eu, homem — fruto da terra — eu, homem — fruto da carne
Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo, eu que carrego os sinos do sêmen que se rejubilam à carne
Eu que sou um grito perdido no primeiro vazio à procura de um Deus que é o vazio ele mesmo!
Não me deixes partir... — as viagens remontam à vida!... e por que eu partiria se és a vida, se há em ti a viagem muito pura
A viagem do amor que não volta, a que me faz sonhar do mais fundo da minha poesia
Com uma grande extensão de corpo e alma — uma montanha imensa e desdobrada — por onde eu iria caminhando
Até o âmago e iria e beberia da fonte mais doce e me enlanguesceria e dormiria eternamente como uma múmia egípcia
No invólucro da Natureza que és tu mesma, coberto da tua pele que é a minha própria — oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!