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A que vem de longe
Vinicius de Moraes
Poesia

A QUE VEM DE LONGE


A minha amada veio de leve
A minha amada veio de longe
A minha amada veio em silêncio
         Ninguém se iluda.

A minha amada veio da treva
Surgiu da noite qual dura estrela
Sempre que penso no seu martírio
          Morro de espanto.

A minha amada veio impassível
Os pés luzindo de luz macia
Os alvos braços em cruz abertos
         Alta e solene.

Ao ver-me posto triste e vazio
Num passo rápido a mim chegou-se
E com singelo doce ademane
       Roçou-me os lábios.

Deixei-me preso ao seu rosto grave
Preso ao seu riso no entanto ausente
Inconsciente de que chorava
        Sem dar-me conta.

Depois senti-lhe o tímido tato
Dos lentos dedos tocar-me o peito
E as unhas longas se me cravarem
          Profundamente.

Aprisionado num só meneio
Ela cobriu-me de seus cabelos
E os duros lábios no meu pescoço
          Pôs-se a sugar-me.

Muitas auroras transpareceram
Do meu crescente ficar exangue
Enquanto a amada suga-me o sangue
          Que é a luz da vida.


1951

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