Prosa dispersa
BROTO ALEGRE, “COROA” MELANCÓLICA...
Elas se atarefavam, mãe e filha, nos últimos preparativos para a festinha. Iam ser uns quarenta ao todo, entre meninas e meninos, como sempre esfaimados, e a mãe não poupara nas comidas e sobremesas para os que vinham comemorar os 16 anos de sua queridinha. Esta, excitada com a movimentação, ordenava agora os discos por ordem de popularidade. O barril de chope acabara de chegar, e os homens instalavam a serpetina que deveria mantê-lo bem gelado. A filha lançou um último olhar à sala enfeitada de flores e depois correu a beijar a mãe, que, emocionada, fingiu não dar por isso, ocupando-se com a arrumação de um vaso.
— Você é um devaneio! — disse-lhe a menina. — A garota mais legal que eu conheço.
— Pois é... — suspirou a mãe, disfarçando. — Acho que não falta mais nada.
A filha coçou a cabeça, franzindo um pouco a testa.
— Você acha que esse negócio de chope vai dar certo? Não é meio... antiquado, meio devagar? Será que os caras não vão me gozar?
— Que é isso? Tenha personalidade! No meu tempo era o que se usava, para as festas maiores. Sai tão mais barato... Imagina dar uísque a essa gente toda... Era só o que faltava! E depois, custa mais a dar pileque.
— Bem, eu tenho uísque escondido para o Marquinhos e o Ronaldo, que são do peito. Os outros vão pensar que é guaraná.
A mãe parecia, de repente, perdida em recordações.
— Era sempre chope... A não ser, naturalmente, nos grandes dias, quando seu avô abria vinho e até champanha...
— Devia ser o auge do troço quadrado — comentou a filha distraidamente.
— Não tinha nada de quadrado, não senhora! A gente se divertia muito mais, em lugar de ficar se matando com essas danças malucas de vocês. Eu me lembro, por exemplo, quando fiz 18 anos. Tinha leitão assado, galinha ao molho pardo, frigideira de siri, empadas de camarão... você nem imagina! Sobremesas, acho que eram umas dez!
— E vocês dançaram?
— Se dançamos! Seu avô mandou contratar especialmente a orquestra de Nelsinho e seus Turunas. Era o que se chamava, então, uma jazz band. Tinha uma música que eu adorava... como é mesmo? Ah, já lembrei... Chamava-se “Carabu”:
Ó minha Carabu
Dou-te o meu coração
La-ra-ra-ra-ra-rão
Tu, somente tu
Minha Carabu!
— A melodia é bacaninha, mas a letra parece uma bomba. Como é que você estava vestida?
— Ah... — e a mãe deu uma meia-volta de modelo para mostrar — eu tinha um vestido mauve rosé até aqui: bem curtinho. Foi a moda precursora do Courrèges. Sapatinhos meio-salto, mordorrés, meias com liga de elástico, e rococós.
— Rococós? Que troço é esse?
— Nada, sua boba. Eram duas rosinhas de cetim que se punha na frente das ligas, para ficar bonitinho se alguém por acaso visse, sabe... O cabelo era assim meio de taradinha, como andam usando de novo. Só que a gente fazia pega-rapaz, umas vírgulas de cabelo na testa e dos lados. E a boca era pintada em forma de coração. Ah, ia me esquecendo: punha-se sempre um sinal preto um pouquinho abaixo do olho, o grain de beauté. Eu usava um produto chamado Sardalina, para disfarçar um pouco as sardas, e a gente escovava bem os dentes com pasta Diamant vermelha, para ficar com as gengivas rosadas. Na mão só se levava uma pequena trousse: a minha era linda, de ouro, que mamãe tinha me dado. Um leque japonês também tinha seu lugar, mais para as senhoras. Nos olhos se usava Kohl, uma pasta preta: ficava lindo!
— Imagino... — disse a menina.
— É sim! Quando a orquestra ia embora, passava-se para o gramofone. E no final da noite faziam-se jogos de prenda. Esconde-esconde seu avô não deixava, por causa dos beliscões que os moços davam.
— Ninguém puxava um fumo?
— Se alguém fumava? Havia quem fumasse, mas escondido, para os pais não verem. Imagina se alguém ia ter coragem de fumar diante de seu avô...
— Você não entendeu... Eu perguntei se alguém fumava maconha, ô quadradona!
— Você está louca, menina! Você tem cada ideia! Isso são loucuras dessa mocidade de hoje. Mas em compensação eu tinha um namorado, logo antes de seu pai, que tocava ukelele!
— Tocava... o QUÊ?
— Ukelele, ora essa! Muito bonitinho. Vocês por acaso não tocam todas essas bobagens de iê-iê-iê e não sei mais quantas? Meu namorado tocava ukelele. E muito bem até!
A menina correu para dentro, as mãos tapando a boca de tanto rir.
— Essa não! Essa não!
Jornal do Brasil, 28-29 de setembro de 1969