Crônicas de Cinema
Adeus, John Ford, velho irlandês áspero de fundos sulcos no rosto macerado. Adeus, desbravador de petróleos horizontes, macho insigne do cinema, fabricante de heróis displicentes sempre a conquistar glória com um sorriso de descrença. Adeus, intratável diretor de homens intratáveis, conquistador de terras inóspitas, violador de cordilheiras, guerreiro duro e incansável a perseguir o inimigo até o fim, a tocaiá-lo para o cara a cara, sem meias medidas. Acabastes, John Ford, aca- bastes, depois de um glorioso passado de lutas — transforma- do agora num ancião perplexo e gasto, a repetir-se no eco de velhos temas orgânicos, ora esvaziados de matéria.
Passastes, John Ford. Vossa contribuição ao cinema — que vem de uma possante linha de cineastas, de D.W. Griffith, através de King Vidor, Milestone e Sam Wood — permanecerá como uma das mais autênticas, pelo poder de nos dar vida, de ar livre, de realidade, no entanto, poética, que trouxe à arte da imagem em movimento. No tempo das diligências, A longa via- gem de volta são expoentes de virilidade cinematográfica, obras masculinas bafejadas por um intenso sopro lírico, que revelam essa verdade simples da vida: de que ela é a realidade em ter- mos de poesia máscula, sem efeminamentos e sem sofisticação.
Adeus, John Ford. Eu vos digo adeus com o maior respeito e a mais funda admiração. Eu gostaria que tivésseis morrido antes de vos mumificardes, como vos mumificastes. Eu, sin- ceramente, vos preferiria morto a místico, morto a ancião va- letudinário de vosso próprio e grande estilo — estilo amplo e lúcido, com que alargastes os horizontes do cinema, com que alargastes os meus próprios horizontes e os do povo, que vos compreendeu e vos amou nos vossos grandes filmes.
1951